Pequeno Hans




Em 1909, foi publicado por Freud, o trabalho sobre o caso de fobia em um menino de cinco anos, filho de um médico conhecido de Freud, cuja mulher e mãe do menino havia sido sua paciente. Muito atencioso, o pai suportou o sofrimento de ouvir, com paciência e interesse  em favor da melhora do filho, a livre verbalização que possibilitou tratar o menino, através da orientação por cartas com Freud.

Nascido em 1903, aos três anos, Hans demonstrava muito interesse em seu genital, o “pipi”, tocando-o e sendo ameaçado por sua mãe, de ser levado ao médico para cortá-lo fora, que no momento da ameaça aparentemente não foi valorizado pelo menino, mas repercutiu mais tarde. Começa ter uma série de fantasias eróticas, sofrendo de ansiedade, desenvolve várias fobias, inicialmente por cavalos brancos que iam mordê-lo e derivando para meios de transportes da época que ele conhecia, elaborando associativamente com seu medo de se afastar de casa, efeito dos traumas sofridos de cirurgia de amídalas, afastamento gradativos e diminuição de atenção da mãe, na gestação e parto da irmãzinha Hanna.

O pequeno Hans foi piorando com o tempo, as mentiras sobre cegonhas e omissões sobre vaginas, cópula e gestação. Com material intelectual e preconceituoso da era pós-vitoriana, ele construiu as respostas ‘as suas dúvidas, associando o prazer escretório ao parto, insistindo em ir ao banheiro assistir sua mãe evacuar e posteriormente fantasiando ter filhos de “salsicha” pela evacuação, limpando-os e cuidando deles. O teatro interno, com destrutividade ‘a família, ciúme e tristeza, o fez adoecer com dor de garganta por duas semanas, quando sofreu cirurgia para extração das amídalas, reforçando sua fantasia de castração e fobia, que aumentavam conforme aumentava a destrutividade.

Na busca de objetos para investir sua libido, Hans se apaixonava por suas amigas e amigos demonstrando na escolha objetal de traço homossexual, uma ausência de gênero, chamando-os de seus filhos e declarando seu amor.

Freud fala para Hans, numa única visita que seu pai o levou, que seu medo é uma bobagem porque gosta da mãe e tem medo do pai, que parasse de se masturbar e não tivesse medo algum de seu pai. O menino aceita o tratamento e esforça-se para não se masturbar. É um período de diálogos entre Hans e seu pai, e cartas com Freud.

Hans apresenta mudanças estruturais de comportamento. Sentia vergonha de exibir seu “pipi”. Hans elabora novo quadro familiar e resolve o Édipo numa fantasia em que o pai se casa com sua avó paterna, tornando-o avô de seus filhos.

A fobia é eliminada e o menino mantém apenas um traço de ficar fazendo perguntas.



ANÁLISE DO CASO:  O PEQUENO HANS de S. FREUD

A história do pequeno Hans tem sido um dos pilares da teoria da sexualidade de S. Freud. Esta ressonância é justamente pelo fato de Hans ser uma criança, normal, inteligente, de boa família não muito rica, a mãe carinhosa e o pai médico, interessado e presente. A sexualidade precoce é encontrada em crianças mais inteligentes e Hans também poderia ter pré-disposição para neurose porque sua mãe foi paciente de Freud no tratamento de neurose.

Sabemos, pelos relatos, que não houve sugestão e apesar da imaginação infantil, sua verbalização não foi menos confiável, pois oferecia grande volume de informação sobre o que sentia e pensava.

Antes da Fobia Hans era livre e sincero, sem reservas, porém após os sintomas surgirem, começou a disfarçar seus pensamentos. No começo demonstrava um grande interesse em seu “pipi”, reparando nos animais percebendo que seres animados o possuíam, usando este critério para diferenciar de objetos inanimados e reparando na proporcionalidade ao tamanho do corpo. Gostava de exibir e fantasiava brincadeiras eróticas onde era ajudado a urinar. Ao ser visto por sua mãe se tocando, foi ameaçado de ser levado ao médico e cortar fora seu “pipi”. Com a cirurgia de amídalas encontrou reforço desta ameaça, o que aumentou sua fantasia de castração e seu medo.

Hans reprime a fantasia de castração por não suportar o medo, mas esta emoção foi confirmação quando observou sua irmã no banho e viu que a diferença genital se dava pela ausência do “pipi”. Tentava disfarçar seu medo para si próprio, de ter o seu “pipi” cortado fora com afirmações de que o “pipi” dela era engraçado ou que ia crescer.

Ele foi desarmado na sua defesa que atribuía “pipis” a todos os seres animados, contra a fantasia de castração. Sentiu que seu “pipi” poderia ser cortado pelo médico. O reforço na cirurgia de amídalas e no parto da irmã, ocasião que esteve presente com médicos, bacias de sangue, gemidos, agitação diferente e correria, afastamento de sua casa e dor física na cirurgia, permitiram o menino ter suas conclusões.

A ansiedade gerada pelo medo da fantasia de castração encontrou uma saída na manipulação masturbatória de seu órgão, confirmando a posse de seu membro, sentindo-se seguro no momento. Hans obtivera prazer genital durante a higienização feita por sua mãe e quando esta o auxiliava a urinar. Esta situação de prazer físico se tornou o alívio da ansiedade, porém, aumentava seu medo devido ‘a culpa pelo desejo erótico por sua mãe. Este foi o tema de um sonho sobre uma brincadeira de prendas em que Hans fazia outra criança auxiliá-lo a urinar, segurando seu “pipi”, revelando o desejo sexual de Hans.

Faz parte do desenvolvimento da criança realizar explorações sexuais. Hans gostava de manipular e exibir seu membro, o que poderia ser normal se não fosse a intensa freqüência e fixação que demonstrava, na vã tentativa de afastar sua ansiedade, porque quanto mais usava desta fuga mais ansioso ficava, a ponto de desenvolver a fobia.

Esta ansiedade veio do anseio por sua mãe. Hans dormia com os pais e só com sua mãe na ausência do pai no período de férias. Isto causou uma superestimulação e um erotismo precoce com o contato de pele, sendo que na seqüência da gestação e nascimento de sua irmã foi privado deste contato sem esclarecimentos. Surge um complexo de Édipo arrebatador com fortíssimo desejo pela mãe e grande destrutividade pelo pai.



Este caso comprovando a teoria da sexualidade de S. Freud é reconhecido por profissionais da área de ciências mentais. No caso de um filho do sexo masculino, o primeiro objeto de desejo é o seio e logo depois a mãe, desejando casar-se com ela, ter filhos e tomar o lugar do pai, que deve intervir com esclarecimentos reais de que a mãe já é mulher dele, pai, e que o filho vai crescer e quando for adulto, encontrará uma mulher para si e terá filhos com ela. Mas, há 100 anos atrás, apesar de já existir psicanálise em sua forma muito nova, o pai de Hans não tinha maturidade suficiente para oferecer uma explicação destas ao menino, por motivo dos preconceitos da época. Inclusive esta obra de Freud foi muito criticada e surtiu o efeito de um escândalo.

Na criança, o desejo de tocar seus genitais é inato, natural e surge pela sensibilidade prazerosa da região pubiana. Logo que é percebido pelos pais sofre uma proibição externa e apesar de ser reprimido, não elimina o instinto o que faz surgir um conflito continuado.

Para Hans, além deste conflito, surge a ameaça de seu “pipi” ser cortado fora pelo médico, o que ele sente como verdade porque confirma com os fatos vividos. O menino sente-se incapaz de se defender por ser totalmente dependente da mãe, que possui poder de vida e morte sobre ele.

Todas estas frustrações, de ser proibido de se tocar, de não ter sua mãe só para si, do medo da fantasia de castração, da omissão de informações sobre a vagina e a gestação, da mentira sobre a cegonha, da falta de objetos pra investir sua libido que eram os amiguinhos, gerou uma falta de capacidade de adaptação ‘a realidade e Hans sucumbiu à hostilidade devido a estes desapontamentos que tanto o preocupavam por seus traumas reais e fantasias de abandono e castração, já que era uma criança inteligente, sensível, superestimulada eroticamente e, portanto precoce.

A fobia surge como um deslocamento do medo de que seus traumas se repitam, desta vez com sua castração.

Melanie Klein explica que este mecanismo funciona deslocando o medo de objetos mais próximos para objetos mais distantes.  O reforço vem da culpa pela chacina familiar numa seqüência emocional completa resultando na ansiedade persecutória. Quando Hans se afastava muito de casa, sentia medo de encontrar o médico e sofrer a castração. Além da culpa por desejar a mãe, seu pai era médico também. Deslocou este medo para o cavalo branco. Outros deslocamentos foram as carroças cheias que lembravam a mãe grávida o que a afastaria de si ainda mais, e numa confusão fantasiosa associou ‘a evacuação dos intestinos. Cavalos correndo lembravam da agitação e correria do parto. Assim Hans afasta estes objetos temíveis para suportar a ansiedade através do deslocamento.

A falta de informação não permitiu ao menino elaborar suas emoções e a ansiedade que é a antecipação do trauma, gerou a fobia através do delírio persecutório devido ‘a culpa pela destrutividade aos pais e ‘a irmã. Mas, Hans amava seu pai, seu grande e primeiro amigo, que era carinhoso e companheiro e por isso esta culpa era tão forte. Sentia medo do pai por sua posição de cônjuge de sua mãe e porque seu pai era médico. Mas, Hans sentia medo de perdê-lo também, numa ambivalência de emoções e sentimentos que resultou nos sintomas relatados.

Em casa Hans sentia-se seguro também porque se sentia como em um útero seguro, com sua mãe próxima, sem cavalos entrando em casa e sem médicos além de seu pai. Apesar de temer o pai, Hans confiava relativamente nele porque sentia que o pai o amava e se preocupava com seu bem estar.

A ocorrência conclusiva para Hans foi a constatação da diferença dos genitais. Quando  Hans viu sua irmãzinha no banho, materializou a fantasia de castração, ou seja, o perigo por desejar a mãe, sendo este perigo a fonte da ansiedade. Apesar de atribuído ao pai, o perigo veio da própria mãe que o ameaçou verbalmente: “se puser a mão aí vou levá-lo ao doutor para cortar fora seu ”pipi” e então como você vai fazer?“

Normalmente esta ameaça é feita pela mulher, porque o homem por possuir um pênis e haver passado pela fase masturbatória na infância da mesma maneira, não valoriza este ato e dificilmente ameaça o filho de cortar seu membro fora. Porém a mulher que tem um forte complexo de castração e inveja do pênis, encontra ressonância em seu conteúdo emocional e vê na masturbação infantil um espelho de seu desejo inconsciente de possuir um pênis.

O tratamento do pequeno Hans deveria ter sido através de esclarecimentos reais sobre os temas obscuros para ele, tais como reprodução. O que nos parece óbvio hoje, há um século era um tabu e uma inteligência observadora como a de Hans elaborou as mais temíveis fantasias que originou a fobia por não suportar conviver com o medo.


CONSTRUÇÃO DO MECANISMO INCONSCIENTE DE HANS

Em continuidade ‘a análise do caso, podemos proceder à construção do mecanismo inconsciente através das pistas oferecidas pelos relatos.

O menino Hans vivia em seu reinado primogênito na mais ampla simbiose de convívio com sua mãe. Com a chegada da irmã, já na gestação, teve a privação da sua presença e no nascimento teve recordações inconscientes dos cuidados que recebera quando era um bebê e desejou voltar a ter estes cuidados.

Isto se dá, segundo D. W. Winnicott, por fatos ocorridos no período chamado de fase de dependência. Quando Hans era um bebê, sua mãe falhou na tarefa de complementar sua onipotência que no futuro foi amplamente frustrada. A obra não relata detalhes, mas acredito que a mãe cuidava com excesso de zelo, mimos e aconchegos por ele ser primogênito e pelo significado fálico que Hans possuía para ela. Assim, ela fazia tudo pelo filho e substituía o gesto do bebê pelo seu próprio gesto. Hans estava sendo impedido na integração do seu ego e criando uma dependência total ‘a sua mãe. Na privação desta, teve a fantasia de abandono e morte: sem mamãe vou morrer.

Ao mesmo tempo em que suas necessidades aumentaram sua satisfação diminuiu, a vida lhe impôs uma situação nova e ele se vê sem toda a atenção de sua mãe, tendo seu desejo focado no objeto bom que conhecia, o retorno daqueles dias felizes com sua mãe, tendo-a só para ele sendo obviamente frustrado em seu desejo.

Para Winnicott esta angústia gera um prejuízo na formação dos símbolos internos que se reflete nas brincadeiras elaborativas. Assim, Hans obtém sua predisposição ‘a fobia, com um ego não integrado, frágil e reativo. Um falso self, que após ter todos elementos ambientais colocados juntos, resulta numa ansiedade aguda, dominante e arrebatadora, disparada pelo gatilho do nascimento da irmã.

Melanie Klein nos ensina que, dominar a ansiedade é a maior das tarefas para criança porque é justo a própria ansiedade, quem utiliza a maior parte da energia psíquica, ou libido.

Como percebia que não era mais possível ter acesso pleno ‘a mãe, buscou novos objetos em amiguinhas e amiguinhos, chamando-os de seus filhos, suas meninas e demais argumentos de posse, como se sentia em relação a sua mãe, antes de sua irmã nascer. Mais tarde, na ausência destes objetos voltou-se com toda intensidade para sua mãe causando sua frustração porque já não podia mais dormir na cama dos pais, sua mãe estava ocupada com a irmãzinha, afazeres domésticos e seu pai que era um médico, trabalhava durante o dia.

Este afastamento, somado ‘a imaginação fértil do menino, gerou uma fantasia de falta de amor e abandono, de castração e de morte, começando Hans, a criar a companhia de filhos imaginários, para elaborar a ansiedade. Inicialmente eram os amigos do verão anterior e depois se tornam totalmente fantasiosos, frutos apenas da criatividade. Com esta brincadeira, Hans elaborava seus conflitos entre seus instintos de vida e de morte, demonstrando o prejuízo transicional citado em Winnicott, através da falta de contato com a realidade.
Hans encontra no prazer masturbatório o alívio para as crises de angústia.  Como não tinha seu desejo satisfeito, tratava de satisfazer-se por si próprio, mas isto promovia mais ansiedade pela culpa e medo da castração, fruto da ameaça feita pela mãe e traumas reais como a cirurgia que sofreu.

Como resultado de mentiras moralistas sobre a cegonha e a omissão da vagina, na busca do conhecimento para obtenção de prazer, passa a questionar a origem dos bebês. Muito interessado, tirou suas conclusões ao ver a barriga da mãe diminuir no momento do parto de sua irmã e associou o fato ao ato de evacuar os intestinos, e este, a um ato de prazer e felicidade, desejando ter filhos pelo prazer que isto proporcionaria e a felicidade em cuidar deles.

A inquietude que prevalecia era pela participação do pai, já que este lhe falou que ele e sua irmã eram filhos dele também. A grande questão de Hans era qual a função do pai e como ele fazia os bebês, porque ignorava a informação sobre a vagina e a cópula. Quando questionou isso diretamente, o pai lhe contou a mentira da cegonha que Hans não acreditou, mas passou a desconfiar e contar mentiras sobre haver estado com a irmã um ano antes dela nascer. Além disso, Hans havia percebido que tinha sua mãe só para si na ausência de seu pai e desenvolveu a destrutividade contra ele. Porém ainda amava seu pai, surgindo o conflito da ambivalência de emoções e instalando a neurose de ansiedade.

Esta seqüência emocional excitava-o com euforia e depressão, desejo e culpa, prazer e angústia, sendo a fobia um deslocamento de seus objetos internos para símbolos representativos distantes que não o alcançariam se estivesse distante deles.

A repressão venceu o instinto, mas não o fez desaparecer. Apenas distorceu seus impulsos agressivos e sexuais por haver gerado ansiedade pela dor interna da impossibilidade de realizar seus desejos, ligados diretamente ao instinto de vida, Eros.

A ansiedade surge como um alerta para evitar reviver seus traumas, e Hans desenvolve a fobia adquirindo um ganho secundário da doença que é a atenção de seu pai. Com a atenção do pai Hans o transforma em suas fantasias, em uma espécie de cúmplice e mantém a convivência familiar.

Com a análise realizada por seu pai, Hans consegue superar a fobia transformando seu pai em avô de seus filhos numa elaboração em que resolve a destrutividade eliminando a culpa. Quando mais velho, relata ‘a Freud não se lembrar destes fatos da infância, e não se reconhece na história. Apenas tem uma remota recordação sobre o período de férias.


CONCLUSÃO

O intelecto é muito poderoso e a capacidade da imaginação pode alcançar níveis incontroláveis. Tantos sonhos quanto pesadelos são tão intensos que a mente sem contato com a realidade se perde num labirinto de pensamentos da qual não encontra saída.

A informação sobre a reprodução humana teria interrompido este conflito interno, favorecendo o desenvolvimento sem prejuízo algum para a criança.

Neste processo de declínio do complexo de édipo, surge a noção da censura, o aparecimento do Superego. Isto é fundamental ao ser humano, por constituir a base moral e ética do convívio em sociedade. Igualmente promove a capacidade do Ego em negociar o prazer para uma situação e um momento adequados.

Este modelo de desenvolvimento do aparelho psíquico e formação de personalidade são universais. É vivido por todos, em maior ou menor intensidade, sendo seu resultado o abandono de determinados investimentos objetais e a compreensão de limites impostos pelo ambiente, pela sociedade e o próprio ego, permitindo a formação do superego.